Burnout: O Grito do Sujeito no Silêncio do Trabalho
- Marcia Barra
- 19 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de ago.
No divã contemporâneo, que muitas vezes é a cadeira de um escritório, uma queixa se repete, com diferentes vozes, mas com o mesmo peso: um cansaço que não cessa com o sono, uma sensação de vazio onde antes havia propósito. Chamamos isso de Burnout, mas o que esse sintoma, tão emblemático do nosso tempo, revela sobre o sujeito e sua relação com o trabalho?
A psicanálise, não se contenta em apenas descrever os sinais. Ela busca escutar o que se cala por trás da exaustão. O burnout não é uma falha do indivíduo, mas um sintoma radical de um mal-estar na cultura e, principalmente, na forma como o trabalho captura o nosso desejo.
Para Além da Exaustão: O Esvaziamento do Desejo
O trabalho, para a psicanálise, é mais do que um meio de subsistência. É um campo de investimento libidinal, um lugar onde depositamos nosso desejo de reconhecimento, de criação, de inscrição no mundo. É onde o sujeito busca construir uma identidade e um lugar no laço social.
O burnout emerge justamente quando essa aposta subjetiva fracassa. Ele se manifesta em três dimensões que tocam o cerne do ser:
A Exaustão como Esvaziamento:
Não se trata apenas de um corpo cansado. É um esvaziamento psíquico. O sujeito sente que deu tudo de si ao Outro (a empresa, o chefe, as metas) e ficou sem nada. A energia vital, o desejo que o movimenta, parece ter sido drenada, deixando um sentimento de profunda impotência.
O Cinismo como Defesa: O distanciamento afetivo e a atitude cínica em relação ao trabalho não são "mau-caratismo". São, na verdade, uma defesa desesperada do psiquismo. Diante da dor e da frustração de não encontrar reconhecimento ou sentido, o sujeito se retrai, "desliga" seu investimento emocional para não sofrer mais. É uma tentativa trágica de se proteger, que acaba por aprofundar a sensação de alienação.
A Ineficácia como Ferida Narcísica: A sensação de não ser mais competente ataca diretamente o narcisismo, a imagem que o sujeito tem de si. O trabalho, que deveria ser o palco de suas realizações e da validação do seu "eu", torna-se o espelho de seu suposto fracasso. Isso gera uma angústia avassaladora, pois se o "eu profissional" desmorona, o que resta do sujeito?
As Raízes do Sofrimento: O que o Burnout Denuncia?
Em nossa clínica, escutamos que o burnout floresce em terrenos onde a palavra não pode circular e o sujeito é silenciado. As causas vão além do excesso de tarefas e apontam para questões estruturais:
* O Imperativo da Performance: Vivemos sob o domínio de um Superego moderno que ordena: "Goze! Produza! Seja feliz!". A pressão por uma performance constante, sem falhas, leva o sujeito a um ciclo de autoexigência e autoexploração impossível de sustentar.
* A Ausência de Reconhecimento Simbólico: Não falamos de um bônus no fim do mês. Falamos do reconhecimento do outro sobre o valor do nosso trabalho, sobre quem somos nós naquela função. Sem esse olhar que nos valida, o esforço perde o sentido.
*A Confusão entre o Sujeito e o Profissional: Quando a identidade de alguém se resume à sua função ("Eu sou médico", "Eu sou gerente"), qualquer abalo na esfera profissional é vivido como uma aniquilação do próprio ser.
A Saída pela Palavra: Uma Escuta para o Sofrimento
Diferente de abordagens que propõem "soluções" e "gerenciamento do estresse", a psicanálise aposta no poder da palavra como via para a ressignificação.
* Acolher o Sintoma: O burnout não é um inimigo a ser eliminado, mas um mensageiro. Ele nos força a parar e perguntar: O que em minha vida e em meu trabalho se tornou insuportável? Onde meu desejo foi perdido? O que esse corpo exausto está tentando me dizer que eu não consegui nomear?
* Criar um Espaço de Escuta: O setting analítico oferece um lugar seguro para que esse sofrimento, muitas vezes inarticulado, possa ser dito. Na transferência com o analista, o sujeito pode falar livremente, sem as amarras do julgamento social ou corporativo.
* Responsabilizar-se pelo Desejo: A análise busca levar o sujeito a se implicar em seu sintoma. Não no sentido de culpa, mas de responsabilidade. Trata-se de ajudá-lo a reconhecer sua parcela na dinâmica que o levou ao esgotamento e, a partir daí, construir novas formas de se posicionar no trabalho e na vida, resgatando o seu desejo singular.
O tratamento para o burnout, sob a ótica da psicanálise, não é um treinamento para se tornar mais resiliente à pressão, mas um convite para uma profunda reflexão: a que custo eu estou sustentando este trabalho? E o que, fundamentalmente, eu desejo?
O caminho pode não ser simples, mas é através da escuta desse sofrimento que o sujeito pode se reinventar e encontrar novas formas de existir, com mais sentido e, acima de tudo, com mais desejo.

Comentários